sábado, 2 de abril de 2011

A Brisa

Sentia a garoa fina escorrer em seu rosto enquanto olhava para o arco. Apesar de ser fim de tarde, as luzes na avenida já estavam acesas, e devolviam ao céu em forma de vapor, a chuva aquecida por elas. Ver o Arco entre as lâmpadas dessa maneira era uma cena digna de registro; era sua mente de fotógrafo que falava agora, mas ele não estava ali para isso. Não era a câmera fotográfica que trazia na mochila.

Hugo havia parado na calçada à direita do monumento, próximo a faixa de pedestres que cruzava a avenida Champs-Élysées. Absorvido em seus pensamentos, só percebeu que estava atravessando-a com o semáforo fechado, quando quase foi atropelado por um Lês Cars Rouge. A buzina e os xingamentos do motorista evitaram uma desagradável abreviatura à sua estada em Paris. Cruzou a avenida, pegou a passagem subterrânea e finalmente chegou a Etoile. Não parou para apreciar os ornamentos que homenageavam as vitórias de Napoleão, nem seus oficiais ou batalhas há muito tempo travadas. Apenas dirigiu-se a escadaria em caracol que levava ao topo do Arco.

Enquanto subia os degraus pensava em Ramiro. Lembrava as tardes em que ouvira as histórias do velho professor; histórias sobre Paris, as pessoas, os cafés e a poesia, que parecia brotar das ruas e vielas daquela cidade que ele amava tanto, mas que não via há muitos anos.

Aos domingos se encontravam no Parque da Redenção. Ramiro gostava de tomar mate, hábito adquirido logo no primeiro ano que chegou ao sul, e sentavam em um banco próximo do Monumento ao Expedicionário. Apesar das diferenças, o monumento o remetia ao famoso arco da Praça Charles de Gaulle, motivo de grande orgulho para o velho. Certa vez lhe confessara que pretendia voltar a sua terra natal algum dia. Agora que sua esposa se fora, nada mais o prendia ao Brasil. Queria passar seus derradeiros anos em sua cidade. No seu chão. Só lhe faltava o dinheiro para isto.

Haviam se conhecido por um desses acasos da vida, ali mesmo no parque.Enquanto Hugo tirava fotos de flores e pássaros próximo ao chafariz, escutou uma voz carregada de sotaque lhe dizer: - Você deveria vir aqui Au moment magique, mon garçon. Ao se virar viu aquele senhor beirando os sessenta anos, com um sorriso aberto abaixo do nariz grande e largo. Usava um terno que pelo jeito o acompanhava há décadas, e “vestia” olhos cheios de uma ternura imensa que o cativaram imediatamente. Havia aprendido muito com Ramiro desde então. Não só sobre a fotografia, mais também sobre as coisas que realmente importam na vida, dentre elas a verdadeira amizade.

Chegou ao final dos degraus, e cruzou até a grade no terraço do Arco do Triunfo. Dali podia enxergar a avenida Champs Elyseés, e todas as outras que terminavam naquele ponto formando a Etoile. Também via a Torre Eifell erguendo-se entre os prédios, com suas luzes iluminando a cidade que finalmente escurecia. Provavelmente apinhada de turistas das mais variadas partes do mundo. Teria sido ali que Nei Lisboa criára sua canção sobre os telhados? Se existia um lugar para inspirar um artista, era aquele.

Depois de algum tempo pegou sua mochila, retirou o frasco que trouxera consigo de Porto Alegre, com o cachecol de Ramiro envolto nele, e o abriu. Quando começou a espalhar seu conteúdo, sentiu uma brisa tocar seu rosto, feito uma mão amiga a acariciá-lo antes da despedida. Sorriu, e as gotas do sena trazidas pela chuva, misturaram-se as suas lágrimas. Não sentiu tristeza naquele instante, e sim uma espécie de alegria misturada a saudade. Seu grand ami finalmente retornara para casa.

Les Car Rouge: Onibus túristico semelhantes ao que faz a linha turismo Porto Alegre, pórem vermelho.

Au moment magique: A hora mágica: fotográfos chamam assim o período que vai de meia hora antes e depois do nascer do sol e meia hora antes e depois do pôr do sol.

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