sábado, 16 de abril de 2011

Mudanças

Deu uma tragada e pousou o cigarro sobre o cinzeiro. A fumaça encheu seus pulmões, antes de ser expelida em pequenos círculos que subiam e se dissipavam em direção a passarela do antigo Hotel Magestic, no coração de Porto Alegre.
Hugo sentava sozinho no Café dos Cataventos. Tinha sobre a mesa além dos cigarros um livro de contos, que agora repousava fechado após um desfecho não tão empolgante, ao lado de sua inseparável Nikon. Apreciava o aroma que vinha do interior da cafeteria e olhava a movimentação das pessoas na Rua da Praia quando um agitação acima chamou sua atenção.
Sobre a passarela, um grupo teatral preparava-se para iniciar uma apresentação. Fixavam nas grades longas tiras coloridas de tecido que desciam até os paralelepípedos da ruazinha abaixo. Mas curiosamente as pessoas que cruzavam a Rua dos Cataventos, famosa por causa do poeta, iam e vinham indiferentes ao que se passava ali. A pressa não as deixava apreciar a cultura em sua cidade, conforme Hugo já havia observado em outras ocasiões.
Lembrou do tempo em que era office-boy no centro. Eram anos 90, e a cidade vivia profundas mudanças políticas, sociais e culturais. Naquela época ele aproveitava o tempo livre entre um serviço e outro para ir à Casa de Cultura Mário Quintana, onde estava agora, e ficava horas na discoteca pública no quarto andar da casa, e na biblioteca do terceiro.
Percebeu então que há muito tempo não entrava na antiga morada de Mário Quintana, e que ele próprio era como as pessoas apressadas á sua volta. Inconscientemente passara a deixar de freqüentar os espaços legais de sua própria cidade.
Ficou chocado mais feliz por ter feito essa constatação, pois agora podia tentar mudar isso.
Terminou seu cigarro, pegou o livro e atravessou a rua até a entrada a sua direita, que dava direto nos elevadores. Parou em frente as grades sanfonadas mais não apertou o botão de subir. Resolveu ir pelas escadas pra apreciar melhor o lugar.
Quando chegou ao sétimo andar, cansado e sem fôlego apesar de ter apenas vinte e cinco anos, Hugo pensou que deveria aproveitar e mudar outro de seus hábitos.

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